terça-feira, 18 de março de 2014

O Egoísmo




O egoísmo é irmão do orgulho e procede das mesmas causas. É uma das mais  terríveis enfermidades da alma, o maior obstáculo ao melhoramento social. Por si  só ele neutraliza e torna estéreis quase todos os esforços que o homem faz para  atingir o bem. Por isso, a preocupação constante de todos os amigos do progresso,  de todos os servidores da justiça deve ser a de combatê-lo.
O egoísmo é a persistência em nós desse individualismo feroz que caracteriza  o animal, como vestígio do estado de inferioridade pelo qual todos já passamos.  Mas, antes de tudo, o homem é um ser social. Está destinado a viver com os seus semelhantes; nada pode fazer sem o concurso destes. Abandonado a si mesmo,  ficaria impotente para satisfazer suas necessidades, para desenvolver suas  qualidades.
Depois de Deus, é à sociedade que ele deve todos os benefícios da existência,  todos os proventos da civilização. De tudo aproveita, mas precisamente esse  gozo, essa participação dos frutos da obra comum lhe impõe também o dever de  cooperar nela. Estreita solidariedade liga-o a esta sociedade, como parte  integrante e mutuante. Permanecer inativo, improdutivo, inútil, quando todos  trabalham, seria ultraje à lei moral e quase um roubo; seria o mesmo que lucrar  com o trabalho alheio ou recusar restituir um empréstimo que se tomou.
Como parte integrante da sociedade, o que o atingir também atinge a todos. É  por essa compreensão dos laços sociais, da lei de solidariedade que se mede o  egoísmo que está em nós. Aquele que souber viver em seus semelhantes e por  seus semelhantes não temerá os ataques do egoísmo. Nada fará sem primeiro  saber se aquilo que produz é bom ou mau para os que o rodeiam, sem indagar,  com antecedência, se os seus atos são prejudiciais ou proveitosos à sociedade que  integra. Se parecerem vantajosos para si só e prejudiciais para os outros, sabe que  em realidade eles são maus para todos e por isso se abstém escrupulosamente.
A avareza é uma das mais repugnantes formas do egoísmo, pois demonstra a  baixeza da alma que, monopolizando as riquezas necessárias ao bem comum,  nem mesmo sabe delas aproveitar-se. O avarento, pelo seu amor ao ouro, pelo seu  ardente desejo de adquirir, empobrece os semelhantes e torna-se também  indigente; pois, ainda maior que essa prosperidade aparente, acumulada sem  vantagem para pessoa alguma, é a pobreza que lhe fica, por ser tão lastimável  como a do maior dos desgraçados e merecer a reprovação de todos.
Nenhum sentimento elevado, coisa alguma do que constitui a nobreza da  criatura pode germinar na alma de um avarento. A inveja e a cupidez que o  atormentam sentenciam-lhe uma existência penosa, um futuro mais miserável  ainda. Nada lhe iguala o desespero, quando vê, de além-túmulo, seus tesouros  serem repartidos ou dispersados. Vós que procurais a paz do coração, fugi desse mal repugnante e desprezível.

Mas, não caiais no excesso contrário. Não desperdiceis coisa alguma. Sabei usar  de vossos recursos com critério e moderação.
O egoísmo traz em si o seu próprio castigo. O egoísta só vê a sua pessoa no  mundo, é indiferente a tudo o que lhe for estranho. Por isso são cheias de  aborrecimento as horas de sua vida. Encontra o vácuo por toda parte, na  existência terrestre, assim como depois da morte, porque, homens ou Espíritos,  todos lhe fogem. Aquele que, pelo contrário, aproveitando-se do trabalho já encetado por  outros, sabe cooperar, na medida de suas forças, para a obra social e vive em  comunhão com seus semelhantes, fazendo-os compartilhar de suas faculdades e de seus bens, ou espalhando ao seu redor tudo o que tem de bom em si, esse se  sente mais feliz. Está consciente de ter obedecido à lei e sabe que é um membro  útil à sociedade. Interessa-lhe tudo o que se realiza no mundo, tudo o que é  grande e belo sensibiliza-o e comove; sua alma vibra em harmonia com todos os  espíritos esclarecidos e generosos; o aborrecimento e o desânimo não têm nele  acesso. Nosso papel não é, pois, o da abstenção, mas, sim, o de pugnar continuamente  pela causa do bem e da verdade. Não é sentado nem deitado que nos cumpre  contemplar o espetáculo da vida humana em suas perpétuas renovações: é de pé,  como campeão ou como soldado, pronto a participar de todos os grandes  trabalhos, a penetrar em novos caminhos, a fecundar o patrimônio comum da  Humanidade.
Embora se encontre em todas as classes sociais, o egoísmo é mais apanágio  do rico que do pobre. Muitíssimas vezes a prosperidade esfria o coração; no  entanto, o infortúnio, fazendo conhecer o peso da dor, ensina-nos a compartilhar  dos males alheios. O rico saberá ao menos a preço de que trabalhos, de que duros  labores se obtêm as mil coisas necessárias ao seu luxo? Jamais nos sentemos a uma mesa bem servida sem primeiro pensar naqueles  que passam fome. Tal pensamento tornar-nos-á sóbrios, comedidos em apetites e  gostos. Meditemos nos milhões de homens curvados sob os ardores do estio ou  debaixo de duras intempéries e que, em troca de deficiente salário, retiram do  solo os produtos que alimentam nossos festins e ornam nossas moradas. Lembremo-nos que, para iluminar os nossos lares com resplandecente luz ou  para fazer brotar chama benfeitora em nossas cozinhas, homens, nossos  semelhantes, capazes como nós de amar, de sentir, trabalham nas entranhas da  terra, longe do céu azul ou do alegre sol, e, de picareta em punho, levam toda a  vida a perfurar a espessa crosta deste planeta. Saibamos que, para ornar os salões com espelhos, com cristais brilhantes,  para produzir os inumeráveis objetos que constituem o nosso bem-estar, outros  homens, aos milhares, semelhantes ao demônio em volta de uma fogueira,  passam sua vida no calor calcinante das grandes fornalhas das fundições,  privados de ar, extenuados, consumidos antes do tempo, só tendo por perspectiva  uma velhice achacosa e desamparada.
Sim, saibamo-lo, todo esse conforto de que gozamos com indiferença é  comprado com o suplício dos humildes e com o esmagamento dos fracos. Que  esse pensamento se grave em nós, que nos siga e nos obsidie; como uma espada de fogo, ele enxotará o egoísmo dos nossos corações e forçar-nos-á a consagrar  nossos bens, lazeres e faculdades à melhoria da sorte dessas criaturas.
Não haverá paz entre os homens, não haverá segurança, felicidade social  enquanto o egoísmo não for vencido, enquanto não desaparecerem os privilégios,  essas perniciosas desigualdades, a fim de cada um participar, pela medida de seus  méritos e de seu trabalho, do bem-estar de todos. Não pode haver paz nem  harmonia sem justiça. Enquanto o egoísmo de uns se nutrir dos sofrimentos e das  lágrimas de outros, enquanto as exigências do eu  sufocarem a voz do dever, o  ódio perpetuar-se-á sobre a Terra, as lutas de interesse dividirão os ânimos,  tempestades surgirão no seio das sociedades.
Graças, porém, ao conhecimento do nosso futuro, a idéia de solidariedade  acabará por prevalecer. A lei da reencarnação, a necessidade de renascer em  condições modestas, servirão como aguilhões a estimular o egoísta. Diante dessas  perspectivas, o sentimento exagerado da personalidade atenuar-se-á para dar  lugar a uma noção mais exata da situação e papel do homem no Universo.
Sabendo-nos ligados a todas as almas, solidários no seu adiantamento e  felicidade, interessar-nos-emos com ardor pela sua condição, pelos seus  progressos, pelos seus trabalhos.
E, à medida que esse sentimento se estender pelo mundo, as instituições, as  relações sociais melhorarão, a fraternidade, essa palavra repetida banalmente por  tantos lábios, descerá aos corações e tornar-se-á uma realidade. Então nos sentiremos viver nos outros, para fruir de suas alegrias e sofrer de seus males.
Não mais haverá queixume sem eco, uma só dor sem consolação. A grande  família humana, forte, pacífica e unida, adiantar-se-á com passo rápido para os  seus belos destinos.

Léon Denis – Do livro: “Depois da Morte”

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