sábado, 8 de março de 2014

ASSIM ESTAVA ESCRITO – Parte final





...Marilda e Sônia desceram à carne para cumprir uma prova de desventuras esquematizadas pelas imprudências de outrora. Sem dúvida, a Lei Cármica marcou-as com a orfandade, sem o direito do lar amigo, que já haviam conspurcado ou desprezado antes.
Planificaram a atual existência conforme linhas de forças espirituais geradas carmicamente, que não lhes davam o direito ao berço quente e amigo. Graças aos sentimentos generosos de criaturas bondosas, elas foram ternamente acolhidas na 'Casa Madalena" e passaram a usufruir de conforto, prazeres e estima ou favores, a que ainda não tinham direito. Todavia, a Lei Espiritual, que não é punitiva, porém educativa, aguardou a regeneração de ambas nessa oportunidade e só voltou a agir, quando verificou que elas, incautas, continuaram a repetir os erros passados, cedendo novamente aos impulsos animais inferiores. Almas primárias, reagiram iradas e insatisfeitas contra a primeira advertência justa e disciplina corretiva.
Embora materialmente amparadas não estavam suficientemente esclarecidas para enfrentar as dificuldades e os sofrimentos próprios da vida cotidiana e foram atraídas para a prostituição, pelas tendências ancestrais pregressas. Lavínia mostrou-se inquieta e nervosa, interpelando o guia:
— Porventura, irmão Abelardo, ainda fomos insuficientes a essas órfãs?
— Em verdade, não faltou amor nem proteção às jovens frustradas, porém, esclarecimento de modo a superar as ciladas da vida profana. — Insistiu Abelardo cordialmente. — Não se pode culpar os integrantes da "Casa Madalena" por essa omissão involuntária, quando os seus servidores mal conseguem atender às necessidades materiais das internas.
E Abelardo completou, num sorriso fraterno:
— Aliás, isso já aconteceu a todos nós!
— Não compreendo! — redarguiu Lavínia, algo confusa.
— Criaturas como Sônia e Marilda, ainda não conseguem dominar 'os desejos, as tentações e dificuldades da vida humana, enquanto não forem convenientemente educadas espiritualmente. Até as almas de melhor padrão espiritual, por vezes fracassam no intercâmbio com as paixões humanas. Espíritos primários, reagem voluntariamente ante a primeira contrariedade, magoam-se pela diferença de tratamento alheio e revoltam-se quando lhes impedem a realização imediata dos seus desejos.
— Mas isso é suficiente para justificar-lhes a prostituição? — insistiu Lavínia, inconformada.
— Cinjo-me apenas aos fatos já ocorridos, sem examinar sentimentos ou tecer críticas à vossa boa intenção. Embora a ternura, o devotamento e a renúncia sejam virtudes que vos glorificam perante Deus, nem por isso elas modificam a aplicação correta e educativa da Lei do Carma sobre os espíritos falidos. Examinamos "friamente" a vida agradável e sem obrigação onerosa de Marilda e Sônia transcorrida na "Casa Madalena" até os dezessete anos de idade, em comparação com os contrastes que ambas defrontaram no trabalho penoso de mulheres casadas com homens pobres.
Na "Casa Madalena" elas andavam sobre assoalhos de "parquete" encerado, repousavam em poltronas fofas e aveludadas, dormiam em colchões de molas, macios e confortáveis, guarnecidos de lençóis alvíssimos e cálidos acolchoados. Viviam despreocupadas e alegres, assistindo filmes cinematográficos e programas de televisão. Aos domingos excursionavam às praias e outros lugares pitorescos. Durante o Inverno eram protegidas pelos aquecedores e no Verão dormiam tranquilamente em aposentos amplos e de boa ventilação. Em suas dores e incômodos, sempre tiveram assistência médica carinhosa.
Cumpriam as tarefas escolares entre jardins floridos e alimentavam-se fartamente, acrescidas de gostosas sobremesas. Durante o Natal e a Páscoa, os espíritas ofereciam-lhes presentes e bombons de chocolate, ou então festejavam-lhes os aniversários em comemorações joviais em torno dos simbólicos bolos de velas. Infelizmente, devido ao seu primarismo espiritual e cegas pelo egoísmo e amor-próprio, elas atingiram a mocidade sem desenvolver a paciência, resignação, coragem e estoicismo, virtudes necessárias às mulheres oneradas com a pobreza. Sem dúvida, julgando vingar-se dos benfeitores, terminaram cavando a própria ruína na rebeldia contra a disciplina e os estatutos da "Casa Madalena", e depois não puderam superar os "contrastes violentos" e óbices imprevistos encontrados no mundo.

— Agradeceríamos ao irmão Abelardo suas considerações de modo a nos elucidar quanto a esses "contrastes violentos", que Sônia e Marilda defrontaram ao deixar nossa instituição  — solicitou o diretor da casa.
— De início, devemos examinar os motivos psicológicos que minaram a resistência espiritai dessas moças desventuradas e assim obtermos ilações proveitosas para o futuro. Talvez elas sobrevivessem num ambiente de conforto, prazer e amparo, que já haviam usufruído na "Casa Madalena"; mas em face do seu passado delituoso, a Lei Espiritual não lhes permitiu outros favores além de um lar pobre e companheiros incertos e modestos. A infância e a mocidade de Sônia e Marilda, na vossa instituição, foi um prêmio antecipado a que elas ainda não faziam jus. Entre a vivência agradável anterior e a vida repleta de obrigações próprias de mulheres casadas, formou-se um profundo abismo que não puderam transpor. Os salários deficientes dos companheiros só lhes permitiam existência difícil, ateando-lhe o fogo da revolta nas almas débeis. O choque ou o contraste, entre a vida benfeitora anteriormente vivida na "Casa Madalena" e a situação da vida real, foi de mudança demasiadamente violenta, um "salto" psicológico violento e imprevisto do "bom" para o "ruim", da "ociosidade" para a "responsabilidade", do "conforto" para a "miséria", da "alegria" para a "tristeza"!
Tudo mudou para pior; o chão de parquete, sempre limpo encerado da "Casa Madalena"', foi substituído pelas tábuas de um assoalho encardido de pinho, no barracão de subúrbio onde foram habitar; o fogão a gás e os utensílios polidos da cozinha moderna, transformaram-se numa trempe fumarenta aquecendo panelas de barro e de ferro; a enxerga de capim mal cheiroso ficou no lugar do colchão de molas confortável. O antigo aposento luxuoso, amplo e claro, todo acortinado de seda e veludo onde elas passaram a infância, jamais poderia comparar-se ao quarto escuro e desbotado, cujas janelas eram decoradas com panos de algodão à guisa de cortinas. O banheiro moderno e as instalações limpas e coloridas da instituição, nada tinham a ver com aquela guarita sanitária de tábuas bolorentas. Durante o Inverno rigoroso, Marilda e Sônia levantavam-se alta madrugada a fim de aprontarem o café e o lanche dos companheiros madrugadores. A alegria da televisão e o divertimento da cinematografia desapareceram mal substituídos por um rádio guinchante; a mesa sempre farta de alimentos, guloseimas e frutas de antigamente, depois mal podia oferecer o feijão aguado com pedaço de carne na refeição pobre de modestos operários. O primeiro Natal que ambas comemoraram depois de casadas, foi sem festas e sem presentes; da Páscoa nem se aperceberam, vazia dos tradicionais "bombons" de chocolate. Além disso, a pequena economia do lar consumiu-se nas doenças dos filhos de poucos meses, agravando-lhes a revolta, a frustração e o desespero numa existência repleta de vicissitudes e sofrimentos.
Em conseqüência, sob a força da animalidade fustigante e pela debilidade espiritual, elas julgaram se desforrar daquele destino odioso de pobreza e responsabilidade, preferindo o meretrício em troca das preocupações e dos deveres onerosos do lar! Alebardo fez um longo silêncio, deixando perceber que havia terminado o assunto principal de sua preleção. Então Lavínia, num desabafo, cuja voz mal conseguia disfarçar o protesto e a decepção de sua alma, inquiriu, quase ríspida:
— Então pouco vale o nosso amor e a nossa dedicação aos deserdados da sorte, se além de não podermos salvá-los de suas infelicidades, ainda assumimos a culpa dos seus deslizes e frustrações?
Abelardo tomou o médium, novamente, e num voz terna, mas significativa, esclareceu:
— Meus irmãos, sem dúvida a vossa generosidade e renúncia em favor dos infelizes são sentimentos sublimes que vos elevam perante Deus, ratificando as virtudes superiores da Vida Imortal!
E numa síntese, onde ele resumia todo o seu pensamento fraterno, então concluiu:
— Mas a verdade, meus caros irmãos, é que "ninguém ajuda ao próximo", porém, "só ajuda a si mesmo"!

Mensagem de Humberto de Campos, por Chico Xavier, extraída da revista "O REFORMADOR", de julho de 1965.

(1) N. do Médium: — Em face de coincidir bastante o pensamento do espírito de Abelardo, com idêntico assunto traçado pelo irmão X, pseudônimo e Humberto de Campos, quanto à diferença notável entre "amparar" e "esclarecer" transcrevemos "Lição nas Trevas", no final deste conto. (2) Ni do médium: — Conceito do espirito de André Luiz, por intermédio de Chico Xavier, inserto em "Agenda Cristã".

Do Livro: “SEMEANDO E COLHENDO” Atanagildo/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento.

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