domingo, 7 de junho de 2015

Amor próprio, ter ou não ter? Eis a questão.





Era inverno, as temperaturas despencavam e  aquele templo de umbanda recebia naquela noite poucas pessoas.
Marcelina estava na primeira fileira no salão principal, preparando-se para a reunião daquela sexta-feira. Poucas pessoas faziam parte do grupo de consulentes, muitos haviam ficado em seus lares devido ao frio intenso. Os médiuns também estavam em um grupo pequeno, a maioria faltou...
Após as preces de abertura dos trabalhos daquela noite e o início da palestra, os consulentes foram chamados para receber o passe magnético. Marcelina foi uma das primeiras e durante o passe despertou no médium maior atenção sobre ela. Como se tratava de um trabalhador experiente, sensível e atencioso, ao fim do tratamento a convidou para se aconselhar com preto velho e, Marcelina ansiosa e agradecida, aceitou.
Já diante do médium que já estava sob a vibração da entidade amorosa, respeitosamente ela o saudou: _ Boa noite, paisinho... salve!
Durante dois minutos fez-se um silêncio absurdo entre eles, a entidade auscultava a encarnada, enquanto baforava a fumaça do cachimbo enquanto nossa personagem aguardava o momento para DESPEJAR todo seu arsenal de perguntas descabidas em cima do médium incorporado! 
Preto velho: _Salve Zin fia! Ê, ê! Nego veio vê que a fia tá muito carregada, uma tristeza sem fim, uma energia pesada e de coloração escura e densa... por que, zin fia? 
Marcelina: _ Paisinho... estou muito só, carente que dói... sinto falta de um alguém na minha vida. Preciso de alguém para me amar! Como vou me sentir valorizada e realizada se não tenho meu coração aquecido pelo amor? Se o moço certo aparecesse em minha vida para me amar e me fazer feliz, eu seria a mulher mais feliz do mundo!
A entidade ouvia com paciência cada lamúria. O médium que servia de ponte para a entidade espiritual, aproveitava para aprender mais sobre a problemática do “amor”. Instruído pelo guia a conhecer mais sobre a alma humana, sem julgamentos, sentia a energia da consulente, sua irmã de caminhada e auxiliava no que podia.
A moça “falava” como uma matraca sem se ouvir, esperava  da entidade espiritual um estalar de dedos e “tudo resolvido”! Mas não foi bem assim que aconteceu. 
Marcelina: _O senhor poderia me dar uma ajudinha para eu arrumar o meu príncipe encantado, preciso me sentir amada! 
Preto velho: _A filha chegou no ponto que nego veio queria... sabe moça, eu fico aqui pensando o seguinte... por suposição se seu te abrir os caminhos para que encontres o tão desejado “príncipe encantado”, um moço que te dê amor e que “te aqueça o coração”, que realize teus desejos mais íntimos... e se um dia ele falhar, o que fará? Se ele em algum momento deixar de te desejar, como reagirá? Suponhamos que este homem seja como a grande maioria dos que já estão por aí, tão egoístas e também à procura de quem realize seus desejos mais íntimos, que se encantam e se desencantam por uma mulher, com a velocidade do pensamento? Fia, se esse tal príncipe te decepcionar um dia e se ele for uma idealização sua, como fará?
A moça assustou-se com as perguntas da entidade, seus pensamentos se atropelavam e ela não conseguia raciocinar de forma organizada.  Aquela entidade espiritual havia lhe tocado na ferida mais dolorida sem ao menos lhe dar aviso prévio! Marcelina ficou atônita, caiu em si despertando para uma realidade cruel. O que pensar diante de tais questionamentos? O que dizer? O que a entidade queria? Porque fazia aquilo, desafiando-a a pensar? Por que ao invés de resolver seus problemas e de lhe dar respostas prontas, estava a lhe “complicar” mais ainda a vida? Por que?

Um suor frio lhe molhou a face e ela respirou fundo tentando juntar saliva para aplacar a secura da boca. Apertou as delicadas mãos, frias e molhadas, iniciando novo diálogo com fortes sinais de desapontamento.  A voz em tom grave e mais baixo do que o normal pronunciou frases desconexas e trêmulas... enfim, ela despertou e compreendeu o erro (envergonhada),  mas disfarçou.  
Marcelina: _Não compreendi, o senhor poderia me explicar melhor? 
Aquele preto velho amoroso, psicólogo de almas, lançou um olhar cheio de amor e bondade àquela mulher sofrida. Procurou a melhor forma de lhe ajudar a compreender sua real situação.
Preto velho: Posso explicar sim, minha filha. Você precisa ter amor próprio, se estimar e se respeitar, isso vem antes do outro! De que adianta viver uma ilusão ao lado de alguém que certamente irá falhar porque é também um ser em crescimento assim como você e, quando isto acontecer, seu amor próprio que não existe, fará falta, isto significa mais dor filha! Nego veio quer que a moça reflita pra se ajudar... muitos filhos de fé adentram este casuá de caridade, em busca de soluções mirabolantes para corações partidos, o que não existe
Querem ser amados e querem as tais poções mágicas! Se não se estimam como poderão viver o dia a dia da vida de um casal? Tem tantos altos e baixos que se ligam ao problemas do cotidiano...
A entidade fez breve pausa para que a consulente pudesse assimilar os conselhos amorosos. Depois continuou...

Primeiro você deve se amar, desenvolver autoestima, valorizar-se e buscar ser feliz consigo mesma, depois sim estará pronta para receber amor do parceiro que Deus, nosso Pai Amado lhe enviará, mas pense filha amada, será necessário lançar olhar para o outro como quer que te olhem, compreender as falhas dele como quer que as suas sejam aceitas e perdoadas. Ame-se primeiro! Valorize-se antes, pois só assim conseguirá discernir.
Marcelina apesar de decepcionada, sabia que algo havia acontecido dentro dela e mesmo contrariada, não poderia deixar de dar razão a entidade. Intimamente sabia que não nutria por si mesma respeito, estima nem mesmo simpatia. Sentia-se uma criatura só, infeliz e pouco merecedora de alegrias e conquistas.
Na verdade saía daquele templo de caridade em estado de choque, o preto velho havia lhe tocado fundo o coração! Sabia que aquele trabalhador da Seara de Jesus estava certo e que mais cedo ou mais tarde, sofreria nas mãos do seu “príncipe encantado” caso ele um dia deixasse de lhe “amar”.
Retornou para seu lar pensativa, desejosa por respostas que certamente iria buscar, através da ajuda de um profissional equilibrado, nas sessões de psicanálise. 
As pessoas em sua maioria fogem daqueles que mostram-se inseguros, infelizes ou que reclamam sempre da própria sorte, demonstrando fraqueza. Todos querem aproximar-se dos mais fortes!
Só admiramos as pessoas que julgamos serem prósperas e confiantes. Elas transmitem-nos amor próprio, autoestima e tudo mais o que queremos ser.
O discernimento e o autoconhecimento são as ferramentas mais poderosas de nosso arsenal psíquico. Portanto não deixemos nas mãos do outro (a) a responsabilidade e a missão que apenas nos cabe, de amarmo-nos!
Não coloquemos nas mãos de outrem nossa vida!


Reflitamos.


Letícia Gonçalves

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