Passados alguns segundos de silêncio, notava-se profundo
pesar nas faces antes radiosas dos ouvintes. O velhinho convidou-os para se aproximarem
da mesa e desdobrou o rolo de pergaminho, de onde separou um menor pondo-o ao
seu lado.
— Sabemos ser o Mal
circunstancial e relativo, variando conforme as atitudes humanas. Não é oriundo
especificamente de Deus. O Mal é condição transitória e resultante da nossa
ignorância com referência à realidade da vida espiritual. Poderíamos compará-lo
ao aluno que se recusa à alfabetização e
porisso sofre a desventura de não saber
ler quando adulto.
Nós também praticamos atos e fatos malignos, por força da
ignorância e indisciplina.
Repelíamos o processo educativo e redentor do espírito,
retardando-nos no percurso da ascenção angélica.
Apolônio parecia evocar reminiscências longínquas, antes de
prosseguir em tom cordial: —Malgrado as atividades execráveis e vingativas dos
réprobos nossos familiares, eles também são centelhas divinas dispersas pelo
Infinito buscando a própria felicidade eterna.
Não importa se ainda percorrem sendas equívocas e censuráveis,
porque só a ignorância da criatura pode levá-la a preferir o pior, por
desconhecer o melhor! Aproxima-se o grande expurgo do "juízo final"
na Terra, devendo emigrarem para um planeta inferior os espíritos cuja especificidade
magnética não se coadune com o clima, vibratório previsto para o próximo milênio.
E num longo suspiro, onde extravasava o seu amor puro por
alguém, Apolônio completou sua alocução:
— Os nossos onze pupilos não poderão escapar da próxima
limpeza planetária da Terra. Caso não se redimam em tempo oportuno, serão exilados
para viverem entre os seres primitivos do "astro intruso". (9) Ante a
impossibilidade de nos encarnarmos num orbe tão primário, teremos de os
esquecer até o retorno deles à Terra, depois da expiação cármica. Também, não
poderemos ajudá-los no mundo de exílio pois o dispêndio energético, o sacrifício
e os resultados insuficientes, não compensariam o tempo que teríamos de
empregar nas atividades educativas e socorristas a favor de outros
necessitados. Infelizmente, os "nossos anjos rebeldes" ou decaídos de
outros orbes, cuja falência espiritual impressiona aos próprios "Senhores.
do Carma", ainda são candidatos a um segundo exílio planetário!
Alguns minutos depois o espírito de uma senhora idosa, de
olhos azuis esverdeados, rosto oval e belo, porte majestoso e envolta
numa veste enfeitada por diversos véus multicores, lembrando uma sacerdotiza
druida, assim se expressou:
— Caro Apolônio, informe-nos quanto à possibilidade dos nossos
amados trânsfugas aceitarem a desintoxicação perispiritual na carne, e
conseqüente harmonização com o .comando angélico da Terra.
— Seis deles se mostram fatigados da rebeldia maldosa,
porquanto reagiram favoràvelmente à luz dos instrumentos psicotécnicos. Aliás, três
vibraram satisfatoriamente em nossa direção, chegando a evocar impressões
mentais de natureza angélica! Embora de um modo fugaz, a chama espiritual
aflorou-lhes à periferia e eles se mostraram eufóricos sob essa condição
incomum. Isso dá-nos grande esperança e anima-nos para tentarmos providências
benfeitoras a fim de os atrair às esferas replandescentes.
Enquanto o velhinho cessava de falar, volvendo o olhar terno
e evocativo sobre os ouvintes, um espírito imponente e faceiro
como um fidalgo romano do século IX, interferiu: — Bário foi meu pai diversas vezes,
na Terra, e protegeu-me sempre, embora o fizesse mais por amor egocêntrico. Na
Caldeia, sacrificou a vida atirando-se de um penhasco enlaçado com uma fera, a
fim de facilitar a minha fuga para casa. Em Roma, deixou-se degolar como
oficial pretoriano, para não trair o grupo de cristãos que eu chefiava. Noutras
existências, ele foi irmão, amigo e familiar, não medindo sacrifícios para me
proporcionar recursos para uma vida amena. Não importa se o fez somente por afeição
consanguínea e egotista, pois era impiedoso e agressivo para com os outros. O
certo é que lhe devo favores especiais e não hesitaria em descer às sombras
terráqueas, se pudesse ajudá-lo em existência proveitosa.
− Sesóstri, tirano e bárbaro, responsável pelo massacre de
tantos seres desde os evos bíblicos, sempre foi generoso e leal para comigo, —
clamou uma jovem belíssima, cujo perfil escultural de mulher grega era
emoldurado por um manto azul celeste e pontilhado de estrelas miúdas sob
reflexos prateados.
— Não há dúvida, — interrompeu Apolônio, — todos nós estamos
ligados afetivamente aos onze réprobos de nossa família espiritual. Sem dúvida,
eles sempre foram nossos amigos na composição da família carnal, proporcionando-nos
ensejos educativos e facilidades para a nossa ascése angélica, enquanto se
comprometiam com a Lei Espiritual nas suas tropelias condenáveis e insaciáveis
ambições de riqueza material. Indiretamente, eles financiaram os nossos
propósitos superiores; mas, infelizmente, não podemos regenerá-los per controle
remoto nem purificá-los miraculosamente. Em seguida aduziu, num tom
significativo:
— Já descemos diversas vezes à Crosta, em corpo físico e
cascão para os ajudar e submetemo-nos às provas sacrificiais sem qualquer êxito
benfeitor, não é assim?
Todos os presentes fitaram o velhinho e acenaram a cabeça em
unânime concordância às suas palavras. Em seguida, ele se curvou para a mesa e
apontando o extenso pergaminho à sua frente, pôs-se a explicar:
— Conforme o exame seletivo feito pelos técnicos do
"Departamento de Planejamento Cármico" de nossa comunidade sideral,
Bário, Sesóstri, Kalin, Moriam, Hatusil, Shiran, Senuret e Ichtar, fichados
sideralmente sob o prefixo MBOW, da série 110.808 a 110.921 da terminologia
sideral de "Estrela Branca", (10) são espíritos que se mostraram mais
receptivos às provas de redenção na Crosta, em vésperas do expurgo de
"fim de tempos". Os outros três, Othan, Sumareji e El Zorian, ainda
vibram sob o padrão integral de anjos decaídos e se
mostram insensíveis a qualquer sugestão liberativa da carne e
abandono às empreitadas diabólicas. Eles, ainda, consumirão alguns dias siderais
na crosta de planetas primários de exílio, para, então, higienizar a
"túnica nupcial" e retornar à casa paterna participando do
"banquete divino". (11) Sabemos que o próprio Maioral (12) pretende
agregar Sesóstri e Senuret ao seu ministério sombrio, cujo fato nos aconselha
providências imediatas, para os dissuadir desse tenebroso convite de
retardamento à ascese espiritual.
E num arremate veemente, em que apesar do seu júbilo traía
um sentimento de comiseração, Apolônio acrescentou: - Como não há inversão das
leis nos processos evolutivo e da
harmonia do Universo, o delinqüente não pode angelizar-se antes do benfeitor,
nem este pode viver indeterminadamente junto do primeiro. Em conseqüência, os réprobos
ficarão afastados de nós por muitos dias siderais, caso percam o
ensejo benéfico de sua redenção entre os hebreus. Todos se
entreolharam, preocupados, e a belíssima jovem grega levou a mão ao seio,
tentando disfarçar alguma emoção:
— Por quê, irmão Apolônio, disse ela, numa voz onde a
magnitude do espírito casava-se à hesitação humana, — a Divindade desperta em
nosso coração amor tão puro e profundo, além do tempo e do espaço, por
espíritos que ainda se demoram no barbarismo e na crueldade? Por quê preferimos
deixar o Paraíso para compartilharmos com eles, na carne efêmera, das mesmas
estultícias, ambições, vaidades e despotismos aliados ao sofrimento?
Enquanto ela curvava a cabeça, entristecida, Apolônio
replicava, comovido: — E se assim
não Vira, querida Cíntia, qual seria o impulso capaz de fazer o anjo abandonar
a resplandescência do Paraíso, para arrebatar das sombras da desventura e da
mentira o objeto do seu amor incomensurável? Porventura a nossa felicidade não
se alimenta na magnitude do Bem e do Amor, proporcionado ao próximo? O nosso
júbilo cresce à medida que somos
responsáveis pela felicidade alheia, pois o Amor é o combustível de Deus
alimentando a vida das almas! Jesus, o Príncipe Sideral, não deixa a mansão
refulgente conformando-se com a milenária descida vibratória (13) sob as
emanações deletérias do mundo material, para nos socorrer? Infelizmente, nós ainda
estamos preocupados com a salvação dos réprobos de nossa família espiritual,
enquanto o Cristo-Jesus sacrificou-se por todos os homens.
— Embora usufruindo dos bens da bem aventurança no mundo
espiritual, amo Sesóstri, querido irmão Apolônio, e sinto-me inquieta e aflita
pelas suas futuras dores em mundos bárbaros de regeneração. Queria tê-lo comigo
na abençoada escola terrena do porvir! — Cíntia, reconheço-lhe o amor intenso por Sesóstri e
aparentemente inexplicável pelo seu grau sideral; mas, na realidade, isso é
perfeitamente lógico, porque ele também possui no âmago da alma a mesma cota de
luz sublime que existe em você! Ajude-o, para adquirir maior refulgência no seu
perispírito em breve. Sesóstri é o mendigo sujo e esfarrapado à porta do
banquete angélico. Precisa barbear-se, mudar de traje e tomar banho odorífero,
para então ser digno das insígnias da Luz! O "anjo rebelde",
na verdade, é o próprio anjo sublime em potencial, porém hipnotizado pelo culto
vaidoso à personalidade humana transitória, que tenta compensar a frustração de
exilado na desforra contra as hostes angélicas do Cristo!
Depois de um hiato compreensivo, Apolônio voltou-se para
Cíntia, dizendo-lhe, amorosamente:
— Oxalá, Sesóstri aceite o derradeiro ensejo de expurgar o
conteúdo tóxico sedimentado no seu perispírito, para se livrar de outro exílio
planetário de "juízo final" e gozar das condições vibratórias
favoráveis para viver com você nos planos superiores do Espírito Imortal!
Cíntia baixou os olhos, dominada por dolorosas reflexões e
replicou:
— Conseguirei convertê-lo, Apolônio?
— Talvez, Cíntia. Se ele puder compreender que há de perder no
exílio planetário o seu amor tão puro e generoso. Tente demonstrar-lhe o júbilo
da vida angélica sôbre a glória efêmera do mundo ilusório da carne. A reunião
prosseguiu com os presentes a examinarem o programa de provas cármicas adequadas
à redenção dos onze espíritos.
— Meus amigos e irmãos! — acentuou Apolônio, analisemos o
"carma coletivo" dos hebreus programado para o próximo século
terrícola, onde tentaremos...
Do
livro: “A Sobrevivência do Espírito” Ramatís – Atanagildo/Hercílio Maes –
Editora do Conhecimento.
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