terça-feira, 23 de junho de 2015

O Diabo e a sede do seu reinado - IV








Passados alguns segundos de silêncio, notava-se profundo pesar nas faces antes radiosas dos ouvintes. O velhinho convidou-os para se aproximarem da mesa e desdobrou o rolo de pergaminho, de onde separou um menor pondo-o ao seu lado.
Sabemos ser o Mal circunstancial e relativo, variando conforme as atitudes humanas. Não é oriundo especificamente de Deus. O Mal é condição transitória e resultante da nossa ignorância com referência à realidade da vida espiritual. Poderíamos compará-lo ao aluno que se recusa à alfabetização e porisso sofre a desventura de não saber ler quando adulto.
Nós também praticamos atos e fatos malignos, por força da ignorância e indisciplina.
Repelíamos o processo educativo e redentor do espírito, retardando-nos no percurso da ascenção angélica.
Apolônio parecia evocar reminiscências longínquas, antes de prosseguir em tom cordial: —Malgrado as atividades execráveis e vingativas dos réprobos nossos familiares, eles também são centelhas divinas dispersas pelo Infinito buscando a própria felicidade eterna.
Não importa se ainda percorrem sendas equívocas e censuráveis, porque só a ignorância da criatura pode levá-la a preferir o pior, por desconhecer o melhor! Aproxima-se o grande expurgo do "juízo final" na Terra, devendo emigrarem para um planeta inferior os espíritos cuja especificidade magnética não se coadune com o clima, vibratório previsto para o próximo milênio.
E num longo suspiro, onde extravasava o seu amor puro por alguém, Apolônio completou sua alocução:
— Os nossos onze pupilos não poderão escapar da próxima limpeza planetária da Terra. Caso não se redimam em tempo oportuno, serão exilados para viverem entre os seres primitivos do "astro intruso". (9) Ante a impossibilidade de nos encarnarmos num orbe tão primário, teremos de os esquecer até o retorno deles à Terra, depois da expiação cármica. Também, não poderemos ajudá-los no mundo de exílio pois o dispêndio energético, o sacrifício e os resultados insuficientes, não compensariam o tempo que teríamos de empregar nas atividades educativas e socorristas a favor de outros necessitados. Infelizmente, os "nossos anjos rebeldes" ou decaídos de outros orbes, cuja falência espiritual impressiona aos próprios "Senhores. do Carma", ainda são candidatos a um segundo exílio planetário!
Alguns minutos depois o espírito de uma senhora idosa, de olhos azuis esverdeados, rosto oval e belo, porte majestoso e envolta numa veste enfeitada por diversos véus multicores, lembrando uma sacerdotiza druida, assim se expressou:
Caro Apolônio, informe-nos quanto à possibilidade dos nossos amados trânsfugas aceitarem a desintoxicação perispiritual na carne, e conseqüente harmonização com o .comando angélico da Terra.
Seis deles se mostram fatigados da rebeldia maldosa, porquanto reagiram favoràvelmente à luz dos instrumentos psicotécnicos. Aliás, três vibraram satisfatoriamente em nossa direção, chegando a evocar impressões mentais de natureza angélica! Embora de um modo fugaz, a chama espiritual aflorou-lhes à periferia e eles se mostraram eufóricos sob essa condição incomum. Isso dá-nos grande esperança e anima-nos para tentarmos providências
benfeitoras a fim de os atrair às esferas replandescentes.
Enquanto o velhinho cessava de falar, volvendo o olhar terno e evocativo sobre os ouvintes, um espírito imponente e faceiro como um fidalgo romano do século IX, interferiu: — Bário foi meu pai diversas vezes, na Terra, e protegeu-me sempre, embora o fizesse mais por amor egocêntrico. Na Caldeia, sacrificou a vida atirando-se de um penhasco enlaçado com uma fera, a fim de facilitar a minha fuga para casa. Em Roma, deixou-se degolar como oficial pretoriano, para não trair o grupo de cristãos que eu chefiava. Noutras existências, ele foi irmão, amigo e familiar, não medindo sacrifícios para me proporcionar recursos para uma vida amena. Não importa se o fez somente por afeição consanguínea e egotista, pois era impiedoso e agressivo para com os outros. O certo é que lhe devo favores especiais e não hesitaria em descer às sombras terráqueas, se pudesse ajudá-lo em existência proveitosa.
Sesóstri, tirano e bárbaro, responsável pelo massacre de tantos seres desde os evos bíblicos, sempre foi generoso e leal para comigo, — clamou uma jovem belíssima, cujo perfil escultural de mulher grega era emoldurado por um manto azul celeste e pontilhado de estrelas miúdas sob reflexos prateados.
Não há dúvida, — interrompeu Apolônio, — todos nós estamos ligados afetivamente aos onze réprobos de nossa família espiritual. Sem dúvida, eles sempre foram nossos amigos na composição da família carnal, proporcionando-nos ensejos educativos e facilidades para a nossa ascése angélica, enquanto se comprometiam com a Lei Espiritual nas suas tropelias condenáveis e insaciáveis ambições de riqueza material. Indiretamente, eles financiaram os nossos propósitos superiores; mas, infelizmente, não podemos regenerá-los per controle remoto nem purificá-los miraculosamente. Em seguida aduziu, num tom significativo:
Já descemos diversas vezes à Crosta, em corpo físico e cascão para os ajudar e submetemo-nos às provas sacrificiais sem qualquer êxito benfeitor, não é assim?
Todos os presentes fitaram o velhinho e acenaram a cabeça em unânime concordância às suas palavras. Em seguida, ele se curvou para a mesa e apontando o extenso pergaminho à sua frente, pôs-se a explicar:
Conforme o exame seletivo feito pelos técnicos do "Departamento de Planejamento Cármico" de nossa comunidade sideral, Bário, Sesóstri, Kalin, Moriam, Hatusil, Shiran, Senuret e Ichtar, fichados sideralmente sob o prefixo MBOW, da série 110.808 a 110.921 da terminologia sideral de "Estrela Branca", (10) são espíritos que se mostraram mais receptivos às provas de redenção na Crosta, em vésperas do expurgo de "fim de tempos". Os outros três, Othan, Sumareji e El Zorian, ainda vibram sob o padrão integral de anjos decaídos e se mostram insensíveis a qualquer sugestão liberativa da carne e abandono às empreitadas diabólicas. Eles, ainda, consumirão alguns dias siderais na crosta de planetas primários de exílio, para, então, higienizar a "túnica nupcial" e retornar à casa paterna participando do "banquete divino". (11) Sabemos que o próprio Maioral (12) pretende agregar Sesóstri e Senuret ao seu ministério sombrio, cujo fato nos aconselha providências imediatas, para os dissuadir desse tenebroso convite de retardamento à ascese espiritual.
E num arremate veemente, em que apesar do seu júbilo traía um sentimento de comiseração, Apolônio acrescentou: - Como não há inversão das leis nos processos evolutivo e da harmonia do Universo, o delinqüente não pode angelizar-se antes do benfeitor, nem este pode viver indeterminadamente junto do primeiro. Em conseqüência, os réprobos ficarão afastados de nós por muitos dias siderais, caso percam o ensejo benéfico de sua redenção entre os hebreus. Todos se entreolharam, preocupados, e a belíssima jovem grega levou a mão ao seio, tentando disfarçar alguma emoção:
Por quê, irmão Apolônio, disse ela, numa voz onde a magnitude do espírito casava-se à hesitação humana, — a Divindade desperta em nosso coração amor tão puro e profundo, além do tempo e do espaço, por espíritos que ainda se demoram no barbarismo e na crueldade? Por quê preferimos deixar o Paraíso para compartilharmos com eles, na carne efêmera, das mesmas estultícias, ambições, vaidades e despotismos aliados ao sofrimento?
Enquanto ela curvava a cabeça, entristecida, Apolônio replicava, comovido: E se assim não Vira, querida Cíntia, qual seria o impulso capaz de fazer o anjo abandonar a resplandescência do Paraíso, para arrebatar das sombras da desventura e da mentira o objeto do seu amor incomensurável? Porventura a nossa felicidade não se alimenta na magnitude do Bem e do Amor, proporcionado ao próximo? O nosso júbilo cresce  à medida que somos responsáveis pela felicidade alheia, pois o Amor é o combustível de Deus alimentando a vida das almas! Jesus, o Príncipe Sideral, não deixa a mansão refulgente conformando-se com a milenária descida vibratória (13) sob as emanações deletérias do mundo material, para nos socorrer? Infelizmente, nós ainda estamos preocupados com a salvação dos réprobos de nossa família espiritual, enquanto o Cristo-Jesus sacrificou-se por todos os homens.
Embora usufruindo dos bens da bem aventurança no mundo espiritual, amo Sesóstri, querido irmão Apolônio, e sinto-me inquieta e aflita pelas suas futuras dores em mundos bárbaros de regeneração. Queria tê-lo comigo na abençoada escola terrena do porvir! Cíntia, reconheço-lhe o amor intenso por Sesóstri e aparentemente inexplicável pelo seu grau sideral; mas, na realidade, isso é perfeitamente lógico, porque ele também possui no âmago da alma a mesma cota de luz sublime que existe em você! Ajude-o, para adquirir maior refulgência no seu perispírito em breve. Sesóstri é o mendigo sujo e esfarrapado à porta do banquete angélico. Precisa barbear-se, mudar de traje e tomar banho odorífero,
para então ser digno das insígnias da Luz! O "anjo rebelde", na verdade, é o próprio anjo sublime em potencial, porém hipnotizado pelo culto vaidoso à personalidade humana transitória, que tenta compensar a frustração de exilado na desforra contra as hostes angélicas do Cristo!
Depois de um hiato compreensivo, Apolônio voltou-se para Cíntia, dizendo-lhe, amorosamente:
Oxalá, Sesóstri aceite o derradeiro ensejo de expurgar o conteúdo tóxico sedimentado no seu perispírito, para se livrar de outro exílio planetário de "juízo final" e gozar das condições vibratórias favoráveis para viver com você nos planos superiores do Espírito Imortal!
Cíntia baixou os olhos, dominada por dolorosas reflexões e replicou:
Conseguirei convertê-lo, Apolônio?
Talvez, Cíntia. Se ele puder compreender que há de perder no exílio planetário o seu amor tão puro e generoso. Tente demonstrar-lhe o júbilo da vida angélica sôbre a glória efêmera do mundo ilusório da carne. A reunião prosseguiu com os presentes a examinarem o programa de provas cármicas adequadas à redenção dos onze espíritos.
Meus amigos e irmãos! — acentuou Apolônio, analisemos o "carma coletivo" dos hebreus programado para o próximo século terrícola, onde tentaremos...

Do livro: “A Sobrevivência do Espírito” Ramatís – Atanagildo/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento.

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