Uma doce claridade banhava a formosa e terna paisagem imersa
numa cor de suave rosa-lilás mesclado de alguns revérberos argênteos. A clareira
atapetada pela grama suave verde era cercada de pequenos bosques de arbustos
anões, mas recamados de flores na forma de campainha, de um matiz azul turqueza
e veludoso, decorado pelos estames de um branco lirial na corola, que exalavam
o agradável perfume do jasmim terreno. Inúmeros bancos recortavam-se
caprichosamente na própria vegetação de um verde-escuro, cujas folhas miúdas lembravam
sensitivas esmaltadas de estrias esbranquiçadas. O conjunto formava delicado anfiteatro
a convergir para um estrado de substância translúcida de cor topázio. Sobre o mesmo
havia uma espécie de mesa, num belo matiz salmão, com um jarro de líquido esmeraldino
e ladeado por uma poltrona.
Ao fundo desse panorama do astral superior, percebia-se a
moldura cinza lilás das colinas sobressaindo-se à luz cambiante irradiada pelo
Sol. A direita, pequenino lago de água prateada e marchetada pela irradiação
das flôres, recortava-se na forma de delicado coração emoldurado pelo cinturão
de papoulas vermelhas a cintilarem como fogaréu vivo. Algumas árvores de fôlhas
sedosas e finas, num matiz verde palha lembrando aos chorões terrenos, pendiam
a vasta cabeleira sobre o lago. A esquerda, o solo descia em brando declive,
pejado de arbustos pequeninos e carregados de flores miúdas, cujo miolo
encarnado brilhava à semelhança de rubis vivos entre as pétalas rosadas.
Cariciosa melodia, em doce cavatina, esvoaçava sare a
paisagem sublime e agradável, provinda de violinos e violoncelos invisíveis
tocados por mãos angélicas e sob o contra-canto de vozes infantis, que
fortaleciam a venturosa paz dê espírito.
A doce harmonia ainda vibrava no ar, quando se ouviu vozes
aproximando-se acompanhadas de alguns risos e exclamações. No cenário
maravilhoso, junto ao lago e anfiteatro de bancos recortados na própria
vegetação sedosa verdejante, surgiram doze espíritos nimbados de luzes
coloridas. A seguir rodearam um velhinho de cabelos esbranquiçados, compridos
e' cortados à nazarena, a barba curta e repartida ao meio. As feições rosadas
davam-lhe o aspecto de uma figura de porcelana translúcida. Vestia uma túnica
alva até os pés, cuja barra larga era bordada de relevos em azul índigo,
lembrando as volutas e os rendilhados das roupas assírias. Ele calçava sandálias
franciscanas, mas pretas e bordadas com fios dourados. Apesar da figura idosa
era lépido e seguro nos movimentos. Os olhos eram vivos e claros, como duas
esmeraldas líquidas à sombra dos supercílios nevados.
Ele se distinguia dos demais espíritos pela intensidade de
luz e dos reflexos de cores semelhantes ao arco-íris a refulgir-lhe até a
altura do peito, esbatendo-se, depois, num amarelo dourado em torno da cabeça venerável
As próprias mãos despendiam eflúvios safirinos e lilases, colorindo um comprido
rolo que ele segurava, muito semelhante aos papiros egípcios.
Quando todos os presentes se acomodaram nos bancos verdejantes,
o venerável ancião iniciou a palestra: (1)
— Eis as recomendações que enderecei à Terra, ao grupo
espírita mediúnico "Os Nazarenos", a fim de se esclarecer, em definitivo,
a questão do espírito só "ganhar luz" à medida que evolui. A luz é
inata a todo ser e não provém de qualquer condição graduativa posterior e
conquista pessoal extemporânea.
--- Já era tempo! — redarguiu outro espírito, um belo jovem
envergando rico peplo côr de âmbar, cujos cabelos negros, e sedosos eram atados
por um laço a "la grega".
--h Não ignoramos que ainda são poucos os terrícolas
realmente interessados no conhecimento sensato e lógico da imortalidade. Os
estudiosos ligados às nossas colônias siderais, em serviço de esclarecimento na
Crosta, queixam-se da hipnose dos próprios espíritas, bastante escravos das
paixões transitórias do reino animal.
E mudando o tom de sua voz, o velhinho aduziu, esclarecedor:
— A maioria dos adeptos espíritas ainda não ultrapassou a
fase cômoda da convicção ortodoxa e exclusiva daquilo que "Kardec
disse." Evidentemente, eles julgam estacionado o progresso humano, após
cem anos de Espiritismo, e devem ignorar as pesquisas e revelações modernas no
campo do espiritualismo. Os espíritas ortodoxos consideram incoerentes e até heréticas,
todas as atividades espirituais alheias à codificação, embora assim contrariem
o pensamento universalista do próprio codificador. Existem espíritas tão
desconfiados do esforço idealista de outros garimpeiros da verdade, que tal
qual os católicos benzem-se assustados, ante o sacrilégio de existir o
Espiritismo. Citemos, como exemplo, o caso do perispírito, que Allan Kardec só
registrou no "Livro dos Espíritos" (2) com referência ao mesmo,
conforme as crenças científicas comuns da época. O seu mentor espiritual só
pôde responder-lhe a pergunta sobre a natureza do perispírito, do seguinte
modo: "Envolve-o (o espírito) uma substância vaporosa para os teus olhos,
mas ainda bastante grosseira para nós; assás vaporosa, entretanto, para poder
elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira."
Nada mais foi dito além dessa singela explicação. O perispirito
era somente uma "nuvem vaporosa", quando o próprio ocultismo da época
já o considerava um organismo complexo e bem mais avançado do que o corpo
transitório de carne. Os rosa-cruzes, teosofistas e yogas, dizem ser o perispírito
portador de sistemas complexos atuando em campos energéticos sob a forma de luzes,
cores, peso, temperatura, magnetismo, defesa e imunização, além do mecanismo
que permite a volição sob o impulso sutil da mente. Aliás a maioria dos
espíritas desconhece o próprio duplo-etérico constituído de éter-físico e dos
centros de forças chamados "chacras" (3), o qual atua como intermediário
entre o perispírito e o corpo físico sob a vontade do espírito encarnado Em consequência,
os "passadistas" protestam sob a convicção de que o envoltório
perispiritual deve ser apenas uma nuvem vaporosa, conforme "disse
Kardec"! Indubitávelmente se assim for, os desencarnados não devem passar
de um bando de abelhas ou borboletas sem pouso definido a vagar pelo Espaço.
Eles não compreenderam a explicação rudimentar do codificador sobre a natureza
do perispírito, que não define a sua exata realidade, mas apenas é explicação
condizente com o ceticismo da época, a fim de não ridicularizar a doutrina
espírita, em seu início.
Depois de um sorriso sibilino, o velhinho completou: —Mal
sabem os espíritas, que Mestre Allan Kardec já está reencarnado operando novamente
na face da Terra, para reformular a própria obra e esclarecer aos kardecistas
quanto à tolerância e flexibilidade do Espiritismo, que de modo algum entra em conflito com o espiritualismo
cristão praticado por demais instituições benfeitoras no mundo. — Mudando o tom
da voz, prosseguiu, em seguida: — E sob esse padrão ortodoxo e tradicional, que
a maioria dos espíritas ainda creem no conceito do espírito só "ganhar
luz" depois de submeter-se aos argumentos irretorquíveis dos doutrinadores
ou médiuns! No entanto, é a mesma a cota de luz divina que existe na intimidade
de todos os seres, quer sejam 'génios ou imbecis, heróis ou covardes, santos ou
demônios, virgens ou prostitutas. Não há privilégios na criação de Deus, pois
Ele não distribuiu a luz da vida a seus filhos, visando simpatias ou lisonjas.
A todos doou a luz, igual e impessoal, como emanação de si Próprio, para a
formação da consciência das criaturas.
Do Livro: Semeando e Colhendo –
Atanagildo/Hercílio Maes – Editora do Conhecimento.
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