Encontramos a capela toda decorada com flores e adornos
fúnebres. O caixão, o mais caro do país, e para nossa surpresa, um garçom
servia as pessoas que pareciam estar em uma festa. Havia até senhoras de chapéu
com véu, muito bem vestidas.
_O que estamos fazendo aqui?
_Mais uma despedida para o irmão narrar em seu livro.
_Mas onde está o “morto”?
Pamela mostrou os encarnados.
_Todos estes.
_Quantos defuntos lindos! Brinquei.
Enrico lançou-me um olhar muito parecido com o de alguém que
conheço.
_Desculpe, é que me assustei com esta cerimônia.
_Olhe o que diz O Livro Dos Espíritos, Luiz Sérgio!
_Não está mais aqui quem falou.
Por falar em o O Livro Dos Espíritos, a questão 841 bis
ensina:
Para respeitar a
liberdade de consciência, dever-se-á deixar que se propaguem doutrinas
perniciosas, ou poder-se-á, sem atentar contra aquela liberdade, procurar
trazer ao caminho da verdade os que se transviaram obedecendo a falsos
princípios?
“Certamente que
podeis e até deveis; mas, ensinai, a exemplo de Jesus, servindo-vos da
brandura e da persuasão e não da força, o que seria pior do que a crença
daquele a quem desejaríeis convencer. Se alguma coisa se pode impor, é o bem e
a fraternidade. Mas não cremos que o melhor meio de fazê-los admitidos seja
obrar com violência. A convicção não se impõe.”
_Gente, não estou condenando nada, nem sei a religião dessa
família...
_Nós
sabemos, Luiz, é que estamos conversando sobre as brigas religiosas e
recordamos desse lindo trecho de O Livro Dos Espíritos. Recordemos também a
questão 842, que é um puxão de orelha naqueles donos da verdade, mas que vêm
não só atacando as outras religiões como os próprios confrades.
Enrico
foi-se aproximando da mesa, onde um senhor de seus cinquenta anos “descansava”
o seu corpo físico. Busquei seu espírito que, todo embaralhado nos laços
fluídicos, xingava muito.
Junto
a ele uns quarenta espíritos de aparência trevosa gritavam-lhe palavras duras
de vingança. Eric esforçava-se para sair de junto do corpo físico, mas o ódio
dos seus inimigos era tanto, que ele cada vez se embaraçava mais. Junto àqueles
trevosos, uma figura angelical tentava ajuda-lo.
_Quem
é, Enrico?
_Sua
filha, que desencarnou aos doze anos.
_Nós
podemos ajuda-lo?
_Como,
Luiz, se ele é dona da sua consciência?
_Que
fez Eric?
_Dono
de uma imensa fortuna, sempre lesou seus operários e algumas vezes os levou ao
suicídio. Era implacável com os pobres, chegava mesmo a ter-lhes horror; tinha
psicose por limpeza, nenhum operário podia aproximar-se dele, temia
contagiar-se.
_Existe
gente assim?
_E
como, Luiz Sérgio! Temos encontrado pessoas que sentem pavor do humilde, do pobre. Tratam-nos como se
fosse portadores de doenças contafiosas, não sabendo que o orgulhoso é que
carrega no coração a lepra do egoísmo.
A
festa estava sendo regada a champanhe e os mais finos canapés e salgadinhos
eram servidos. A esposa de Eric, toda de negro, recebia os pêsames como se
estivesse em uma recepção. Enquanto isso, Eric estava sendo vampirizado por
suas vítimas.
_Coitado! falou Pamela. E aqui ainda têm
poucos, depois é que vai ser terrível!
_Ele
tem mais inimigos?
_Se
tem! Exclamou Plácido. Passou a vida só
prejudicando os outros. Acumulou uma fortuna incontável, mas olha o seu fim,
igual ao de todos os mortais. Ninguém traz roupas, obras de arte, cartão de
crédito, fortuna; nem a carteira de identidade traz. Por que brigar tanto em
prol da fortuna?
Alguns
técnicos, com dificuldade, separaram Eric do corpo carnal, mas ninguém
conseguia retirá-lo dos verdugos.
_E
o seu mentor, onde está?
_Eric
jamais respeitou o seu mentor, Luiz. Ele era só ele, e ninguém mais.
_Até
quando irá sofrer?
_Só
depende dele.
Quando
os verdugos lhe batia, ele gritava e partia para cima deles, dizendo as piores
palavras, o que os enfurecia ainda mais.
_Enrico,
não existe um meio de ajuda-lo?
_Luiz,
logo Eric será socorrido, mas o umbral o espera, não tem como se livrar dele. Em
toda sua existência Eric gozou de sua fortuna, mas na hora de beneficiar um
operário, lutava para prejudica-lo. Ele ganhou de Deus a fortuna para dar
emprego aos pobres, mas fez dela uma arma contra si mesmo.
_Mas
Enrico, ele não sabia.
_Como
não, Luiz? Todos os que vêm à Terra com tarefa de contato com o povo são
elucidados sobre a responsabilidade dos deveres e dos exemplos. Mas ao aqui
chegarem iniciam a fuga das responsabilidades. Eric sempre foi terrível, mesmo
com as suas babás não tinha sequer um pouco de carinho. Elas eram sempre
maltratadas por ele.