sábado, 5 de setembro de 2015

Por que isso foi acontecer justamente comigo?





Era a pergunta que fazia, entre lágrimas, uma mãe desesperançada, ajoelhada aos pés da médium incorporada. Os cabelos desalinhados demonstravam pouco caso com o corpo físico, contrariando a mulher que fora algum tempo atrás, quando a vaidade era ponto preponderante em sua personalidade. Os anéis que enchiam seus dedos já não tinham o brilho da jóia cara, pois haviam perdido o valor que sempre dera e eles. Estava ali depois de ter passado por muitos lugares, mas em nenhum encontrara a resposta para aquela pergunta.
A dor terrível da perda ainda lhe corroia o coração. Fazia mais de dois anos que seu único filho havia desencarnado com apenas três anos de idade. Carregava com ela uma foto do principezinho de olhos azuis. Desde a perda, sentia corno se lhe tivessem arrancado um braço, deixando se esvair por ali parte de sua energia vital e todo o seu prazer pela vida.
A preta velha escutava pacientemente os lamentos daquela mãe, enquanto buscava, usando seu adestrado poder mental clarividente, realizar em outro nível, fora do plano físico, a transmutação das formas-pensamento plasmadas e vivificadas por aquele espírito em desequilíbrio.

Pela magia do amor, convocava os elementais para que pudessem efetuar, com seus respectivos elementos, a profilaxia necessária nas larvas astrais que se acumulavam em seus centros de força. A movimentação que se realizava no plano astral era intensa e ignorada pela mulher, que, enclausurada em sua dor, só queria uma resposta que lhe alentasse o coração. Percebendo que, por ligações ancestrais, aquele ser estava sendo alvo de indução mental negativa, num total desrespeito ao seu merecimento, denotando um processo obsessivo mórbido que a ligava a um bolsão de espíritos do Umbral inferior, renitentes e materialistas, a bondosa e sábia preta velha convocou a presença do exu de sua serventia, que, adentrou aquele lugar com sua falange, retendo-os e encaminhando-os ao aprendizado necessário num entreposto transitório do Astral, restabelecendo a justiça até as devidas deliberações pelos Maiorais siderais. Ao mesmo tempo, era prestado socorro a muitos outros espíritos sofredores alienados e vencidos pela dor,
que, por sintonia vibratória (semelhante atrai semelhante), intensificavam, por repercussão vibratória, o estado de torpor mental da mãe revoltada com a perda do filhinho.
A catarse que se verificava com aquela mãe, naquele instante, a acalmava diante da sensação de aconchego que a bondosa preta velha lhe proporcionava, além das palavras a ela dirigidas:
- Negra velha vai responder à sua pergunta fazendo outra: "Você amava aquele filho que partiu?".
- Meu Deus, é claro que o amava! Ele era meu único filho.
- Então, meu conselho é que continue amando.
- Eu o amo ainda e sinto falta de sua presença. Eu deveria ter morrido no lugar dele.
- Negra velha pede desculpas à filha, mas vai ter de ser verdadeira, dizendo que mesmo não duvidando desse amor ele é egoísta demais. Ao ouvir isso e sentindo-se insultada, a mulher reclamou:
- Eu, egoísta? Amar um filho é ser egoísta?
A Missão da Umbanda Ramatís
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- Amar significa libertar. A filha não está querendo deixar que esse espírito tome seu rumo; está sofrendo porque ele se foi. Mas, imagine, se a filha tivesse ido em seu lugar; nessa situação, o sofrimento seria dele, e talvez fosse ainda muito maior que o seu; pois ficaria órfão. Além disso, filha, o que fez até agora para preencher essa falta que diz sentir, além de chorar? Por acaso percebeu que a poucos metros de sua casa existe um "lar-abrigo" de crianças abandonadas e carentes? Já pensou em secar essas lágrimas e sorrir para elas? Sofre sem seu filho; elas sofrem por não terem uma mãe.
A mulher baixou a cabeça envergonhada, lembrando-se de que pensara muitas vezes que Deus poderia ter levado uma daquelas crianças órfãs em vez de seu querido menino.
- A vida, minha filha, é um quebra-cabeças muito bem arquitetado, em que todas as peças têm um lugar certo. Ache o seu, pois o filho que há tempo partiu neste momento está chegando onde devia.
A preta velha não falou mais nada, apenas a abençoou, despedindo-se. Era preciso que a atendida interiorizasse tudo o que ouvira, porém com mais lucidez, pois já havia ganhado ali, naquela humilde tenda umbandista, toda a ajuda que seu merecimento permitia. Haveria de compreender melhor seu sofrimento, ampliando o discernimento diante da constatação de que a morte não existe.
O cambono não compreendeu porque a preta velha agora sorria e lhe oferecia um pirulito, pedindo que a corrente puxasse um ponto cantado da vibratória de Yori. O que ele não via era o cenário que se armava no plano astral. Espíritos com muita luz, sob a forma de alegres crianças, invadiam aquela tenda para levar o menino que havia morrido, mas não "desencarnado", pois sua mãe carnal o prendia à crosta, junto dela, por meio de seu desespero irracional. Enfraquecido e frágil, ele agora encontraria um lar, muitas mães e amigos de várias encarnações passadas, que o ajudariam a continuar sua caminhada evolutiva como espírito imortal.
Na "lua" seguinte, voltava mulher com uma criança negra e raquítica pela mão para que a preta velha a curasse de uma bronquite crônica. Entre todas as crianças do "lar-abrigo", aquela havia conquistado o seu coração.
A preta velha sorriu. A pergunta estava respondida.

Vovó Benta
Do livro: “A Missão Da Umbanda” Ramatís/Norberto Peixoto – Editora Do Conhecimento.



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