quinta-feira, 20 de julho de 2017

ELOS DE AMOR E ÓDIO




Era mês de julho e chovia fino naquela noite. O frio chegava a “enrijecer” a alma, mas  Epifânio, corajoso e necessitado, estava nas primeiras fileiras esperando ser atendido.
A casa, apesar do rigor do inverno, estava cheia. Alguns lugares vagos, isso lá era verdade, mas muitas pessoas agasalhadas à procura de respostas e tratamento para seus males espirituais e físicos.
Um suave perfume de incenso pairava no ar. Ao fundo uma música era tocada para acalmar os consulentes e convidá-los ao silêncio, reflexão e prece. As entidades espirituais caridosas ali estavam atendendo muito antes dos trabalhos daquela casa de umbanda começarem. Aos poucos mais pessoas iam chegando, umas mais animadas, outras de ar introspecto.
Após meia hora e espera, o orador da noite iniciou sua palestra que atraía a atenção de todos, enquanto isso, Epifânio era conduzido à uma cabine para atendimento com entidade espiritual já “incorporada” em sua médium.
Era Vovó Rosa que iria atender nosso personagem, através de Regina, sua médium.
A entidade era todo amor e já uma velha conhecida de Epifânio que sempre recorria aos seus conselhos amorosos e suas orientações precisas, quando a coisa apertava... Entretanto, naquela noite tudo estava diferente e vovó já havia percebido há muito. 
Preta velha: _Deus te abençoe, zinfio! Ê, ê! Suncê tá acabrunhado por demais, fio! Conta pra essa nega o que tá acontecendo. 
A entidade espiritual costumava pedir aos seus irmãos encarnados para falarem, mesmo já sabendo dos seus dramas, auscultando-os muito antes na alma de cada consulente, enxergando as formas-pensamento que cada um trazia consigo ou percebendo com a nitidez de sempre, as auras infectadas com as energias enfermiças, oriundas das mentes desequilibradas, dos pensamentos de ordem inferior e pelas ações infelizes que a consciência denunciava através da culpa. Enquanto Vovó Rosa ouvia aquele homem cabisbaixo e aflito, baforava a fumaça de seu cachimbo para a limpeza rotineira dos chacras e do campo áurico, tirando através das mãos de sua médium servidora, amorosa e humilde, as “teias” astrais, através das energias e essências balsâmicas trazidas pela amorosa entidade do plano Superior.

Epifânio: _Vó... Meu casamento acabou! Joana e eu terminamos tudo! Eu a expulsei da minha vida e de nossa casa! – mal completou a frase e deixou que a voz embargada se calasse, derramando lágrimas pesadas que lhe percorriam a face entristecida. Cabisbaixo, apenas conseguia perceber naquele tumulto mental, as mãos da médium a percorrer lhe carinhosamente a cabeça, como uma mãe afaga a cabeça de um filho assustado. A entidade espiritual conduzia sua médium com sabedoria enquanto falava ao jovem homem. 
Preta Velha: _Meu filho, suncê tá com o coração “apertado”, se acalma e conta pra essa nega velha o que sucede que a nega te ajuda! 
Epifânio: _Depois de mais de dez anos de união, descobri as traições conjugais de minha mulher! Ela jogou no lixo tudo o que construímos, tudo o que com tanto amor eu dei a ela... sabe, vovó Rosa, eu estou com vontade de morrer! Às vezes a dor  e a raiva que sinto são tão fortes que penso em ir atrás dela e fazer uma loucura. Mas... mas eu não posso! E meus filhos?! Eles não me perdoariam! Não posso...! – Nosso personagem escondeu o rosto por entre as mãos, enquanto iniciava choro copioso, meio envergonhado e profundamente constrangido por sua personalidade de homem. 
Preta velha: _ Filho meu, o desespero e a raiva só  vão aumentar a sua dor e piorar seu estado depressivo, tenha fé em Nosso Senhor Jesus Cristo! Não adianta suncê fazer loucura, vai se arrepender mais tarde, acalme-se e procure acabar com as emoções construídas no sentimento destruidor que é o ódio! 
Epifânio: _ Mais vó Rosa! Eu não consigo compreender, porquê? Eu a tirei da pobreza,  dei a ela uma vida de rainha, carros, jóias, roupas caras, filhos saudáveis e inteligentes. No passado ela era uma pobretona que mal sabia escrever o próprio nome! Eu dei a ela tudo! Entreguei o meu coração, meu dinheiro, minha vida e ela não satisfeita com tudo isso me apunhalou pelas costas? Não, não e não! – Levou as mãos crispadas nos cabelos grisalhos, puxando-os com força para cima, num ato de irritação, entretanto, conteve-se imediatamente lembrando estar diante de uma entidade amorosa do Cristo e de sua médium. Pediu desculpas e novamente iniciou diálogo, porém mais contido, respirando fundo, tentando concatenar as ideias. _Vovó, eu estou custando a me conter, mas preciso ter forças, pois meus filhos preferiram ficar comigo eles são adolescentes como sabe, recém saídos da infância estão confusos, tristes, divididos... 
Preta velha: _Os perninha de calça vão precisar muito de bons conselhos e principalmente de vê-lo equilibrado, pois se suncê demonstrar fraqueza, o que será deles? 
Epifânio: _E pensar que depois de tudo o que fiz para ela a paga foi essa... eu a amei tanto! Dei-me inteiro nesse casamento, fui fiel, amigo, o melhor marido que ela poderia ter! Ela conheceu a riqueza pelo meu dinheiro, todo conforto e luxo que ela jamais imaginou ter na vida de miséria que passava. No entanto fora eu que lhe proporcionei. Ah! Eu agora sinto tanta raiva e mágoa, jamais a perdoarei! E mesmo que caia em braços mais jovens que os meus, chego a duvidar se poderá ser feliz como fora ao meu lado... só de imaginar isso sinto-me sufocar! Me ajude vó Rosa! 
Preta velha: _Até que enfim algum bom senso! Já que pediu ajuda estava mesmo pensando em como fazer isso, zinfio. É preciso que ouça com atenção porque meus conselhos devem ser ouvidos e guardados em seu coração. O orgulho ferido exaltado só vai complicar, então deixa tudo isso de lado que esse sofrimento vai acabando aos poucos, meu filho! É como ferida que quando bem cuidada cicatriza bem, deixando somente uma marquinha que o seu amor e o seu perdão vão atenuar mais e mais. 
A entidade fez pausa propositada para que o consulente pudesse absorver todas as palavras com calma, ela esperava o momento certo para “auxiliar lhe” numa escolha saudável para sua vida (os aconselhamentos sutis são formas de nos ajudar a escolher o melhor, mas nunca podemos esperar que elas façam por nós o que é nossa obrigação e dever). 
O filho me desculpe, mas amor não é proporcionar riquezas materiais, se suncê fio Epifânio, amasse a moça Joana não lhe compraria com o dinheiro que a traça come. As ilusões do ouro, dos trapos de pano caros, dos luxos só iludem e afastam as criaturas da simplicidade que agrada a Deus. A riqueza é necessária e Deus, em sua Infinita Sabedoria e Amor, concede-a àqueles que por sua vez a merecem, entretanto zinfio, o supérfluo em demasia endurece o coração e faz com que o egoísmo cresça como erva daninha na alma desavisada! – Fez mais uma pequena pausa para que aquele homem pudesse compreender os ensinamentos e prosseguiu após alguns segundos. _E fiel o filho sabe que não conseguiu ser no casamento, não é mesmo, zinfio? A nega velha sabe porque te conhece a alma e o coração de homem sedutor que gosta de manter sempre o controle sobre os outros. Quantas vezes o filho se deixou seduzir pelas ilusões, vestidas de saias justas com pernas torneadas e corpo de mulher? Quantas vezes o filho seduziu as moças incautas só para fugir da mesmice do casamento entediado, em busca de aventuras sexuais fora do matrimônio?   Não chore mais meu querido filho, preste atenção enquanto tem tempo de reverter esse doloroso quadro! O filho sabe que a vossa esposa não era feliz porque vivia acuada e insegura com as vossas chantagens emocionais. Ora zinfio! Amor não aprisiona, não compra, não concede, não espera troca ou ressarcimento qualquer. Amor dá, somente dá e deixa ir livre porque aquele que ama verdadeiramente, volta! Aquele que ama, fica! Joana não o amava assim como suncê também já não a amava mais, apenas o desejo carnal, o prazer em controlar e mostrar para os amigos todo o seu “poder”. Deixa ela ir e siga seu caminho, perdoe, filho! Cuide da ferida em seu coração até ela cicatrizar e siga o seu caminho sem os elos do falso amor e do ódio. 
Epifânio estava confuso apesar de compreender as palavras da entidade que duramente o advertia. Ele intimamente concordava com ela, apesar do “puxão de orelhas” sentia-se mais fortalecido e a nuvem que lhe ocultava a luz da  razão, agora o deixava ver todo o disparate, o desatino que iria cometer em nome do orgulho e da vaidade de macho ofendido. Entre ferido, magoado e decidido a vingar-se, fraquejava diante do doce magnetismo da entidade amorosa que lhe admoestava como uma mãe zelosa o faz ao filho imprudente. Ele respirou fundo, passou a mão pela barba olhou para a médium sob a influência amorosa daquela entidade de luz e falou: 
Epifânio: _Vó, eu preciso realmente acabar com isso, pois sinto-me sufocar. Não sei como, mas vou reunir forças para superar isso, mas perdoar... não sei... ainda não posso. 
Preta velha: _Zinfio, acalma seu coração, confia em Deus e busca nas preces diárias o lenitivo que vai aliviar essa amargura em forma de dor. Perdoa filho! O perdão é o medicamento dos sábios, toma ele pra suncê e não pra moça Joana, perdoe-se primeiro e só então vai entender que tudo tem um porquê. Não existe colheita sem antes ter um plantio. Mas depois que se planta somos todos obrigados a colher! Acalma os pensamentos e cuida dos seus filhos que sofrem com a separação dos pais. Amadureça emocionalmente pra crescer, zinfio! 

Nosso entristecido personagem fora alvejado bem onde a fraqueza lhe dominava. Ouvia atentamente os sábios aconselhamentos da entidade humilde, enquanto sentia  uma energia a lhe dominar a mente e o corpo convidando-o a ser otimista e a ter fé. Uma força que o dominou e deu-lhe novo ânimo. Deixou mais algumas últimas lágrimas correrem pela face, aprumou-se e despediu-se das amorosas servidoras de Jesus.


Reflitamos.



Letícia E. Gonçalves

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