O egoísmo é irmão do orgulho e procede das mesmas causas. É uma das
mais terríveis enfermidades da alma, o
maior obstáculo ao melhoramento social. Por si
só ele neutraliza e torna estéreis quase todos os esforços que o homem
faz para atingir o bem. Por isso, a
preocupação constante de todos os amigos do progresso, de todos os servidores da justiça deve ser a
de combatê-lo.
O egoísmo é a persistência em nós desse individualismo feroz que
caracteriza o animal, como vestígio do
estado de inferioridade pelo qual todos já passamos. Mas, antes de tudo, o homem é um ser social.
Está destinado a viver com os seus semelhantes; nada pode fazer sem o concurso destes.
Abandonado a si mesmo, ficaria impotente
para satisfazer suas necessidades, para desenvolver suas qualidades.
Depois de Deus, é à sociedade que ele deve todos os benefícios da
existência, todos os proventos da
civilização. De tudo aproveita, mas precisamente esse gozo, essa participação dos frutos da obra
comum lhe impõe também o dever de cooperar
nela. Estreita solidariedade liga-o a esta sociedade, como parte integrante e mutuante. Permanecer inativo,
improdutivo, inútil, quando todos trabalham,
seria ultraje à lei moral e quase um roubo; seria o mesmo que lucrar com o trabalho alheio ou recusar restituir um
empréstimo que se tomou.
Como parte integrante da sociedade, o que o atingir também atinge a
todos. É por essa compreensão dos laços
sociais, da lei de solidariedade que se mede o
egoísmo que está em nós. Aquele que souber viver em seus semelhantes e
por seus semelhantes não temerá os
ataques do egoísmo. Nada fará sem primeiro
saber se aquilo que produz é bom ou mau para os que o rodeiam, sem
indagar, com antecedência, se os seus
atos são prejudiciais ou proveitosos à sociedade que integra. Se parecerem vantajosos para si só e
prejudiciais para os outros, sabe que em
realidade eles são maus para todos e por isso se abstém escrupulosamente.
A avareza é uma das mais repugnantes formas do egoísmo, pois demonstra
a baixeza da alma que, monopolizando as
riquezas necessárias ao bem comum, nem
mesmo sabe delas aproveitar-se. O avarento, pelo seu amor ao ouro, pelo
seu ardente desejo de adquirir,
empobrece os semelhantes e torna-se também
indigente; pois, ainda maior que essa prosperidade aparente, acumulada
sem vantagem para pessoa alguma, é a
pobreza que lhe fica, por ser tão lastimável como a do maior dos desgraçados e merecer a
reprovação de todos.
Nenhum sentimento elevado, coisa alguma do que constitui a nobreza
da criatura pode germinar na alma de um
avarento. A inveja e a cupidez que o atormentam
sentenciam-lhe uma existência penosa, um futuro mais miserável ainda. Nada lhe iguala o desespero, quando
vê, de além-túmulo, seus tesouros serem
repartidos ou dispersados. Vós que procurais a paz do coração, fugi desse mal repugnante e
desprezível.
Mas, não caiais no excesso contrário. Não desperdiceis coisa alguma.
Sabei usar de vossos recursos com
critério e moderação.
O egoísmo traz em si o seu próprio castigo. O egoísta só vê a sua pessoa
no mundo, é indiferente a tudo o que lhe
for estranho. Por isso são cheias de aborrecimento
as horas de sua vida. Encontra o vácuo por toda parte, na existência terrestre, assim como depois da
morte, porque, homens ou Espíritos, todos
lhe fogem. Aquele que, pelo contrário, aproveitando-se do trabalho já encetado
por outros, sabe cooperar, na medida de
suas forças, para a obra social e vive em
comunhão com seus semelhantes, fazendo-os compartilhar de suas
faculdades e de seus bens, ou espalhando ao seu redor tudo o que tem de bom em si,
esse se sente mais feliz. Está
consciente de ter obedecido à lei e sabe que é um membro útil à sociedade. Interessa-lhe tudo o que se
realiza no mundo, tudo o que é grande e
belo sensibiliza-o e comove; sua alma vibra em harmonia com todos os espíritos esclarecidos e generosos; o
aborrecimento e o desânimo não têm nele acesso. Nosso papel não é, pois, o da abstenção, mas, sim, o de pugnar
continuamente pela causa do bem e da
verdade. Não é sentado nem deitado que nos cumpre contemplar o espetáculo da vida humana em
suas perpétuas renovações: é de pé, como
campeão ou como soldado, pronto a participar de todos os grandes trabalhos, a penetrar em novos caminhos, a fecundar
o patrimônio comum da Humanidade.
Embora se encontre em todas as classes sociais, o egoísmo é mais
apanágio do rico que do pobre. Muitíssimas
vezes a prosperidade esfria o coração; no
entanto, o infortúnio, fazendo conhecer o peso da dor, ensina-nos a
compartilhar dos males alheios. O rico
saberá ao menos a preço de que trabalhos, de que duros labores se obtêm as mil coisas necessárias ao
seu luxo? Jamais nos sentemos a uma mesa bem servida sem primeiro pensar
naqueles que passam fome. Tal pensamento
tornar-nos-á sóbrios, comedidos em apetites e gostos. Meditemos nos milhões de homens curvados sob os ardores do estio ou debaixo de duras intempéries e que, em troca
de deficiente salário, retiram do solo
os produtos que alimentam nossos festins e ornam nossas moradas. Lembremo-nos
que, para iluminar os nossos lares com resplandecente luz ou para fazer brotar chama benfeitora em nossas
cozinhas, homens, nossos semelhantes,
capazes como nós de amar, de sentir, trabalham nas entranhas da terra, longe do céu azul ou do alegre sol, e,
de picareta em punho, levam toda a vida
a perfurar a espessa crosta deste planeta. Saibamos que, para ornar os salões
com espelhos, com cristais brilhantes, para
produzir os inumeráveis objetos que constituem o nosso bem-estar, outros homens, aos milhares, semelhantes ao demônio
em volta de uma fogueira, passam sua
vida no calor calcinante das grandes fornalhas das fundições, privados de ar, extenuados, consumidos antes
do tempo, só tendo por perspectiva uma
velhice achacosa e desamparada.
Sim, saibamo-lo, todo esse conforto de que gozamos com indiferença
é comprado com o suplício dos humildes e
com o esmagamento dos fracos. Que esse
pensamento se grave em nós, que nos siga e nos obsidie; como uma espada de fogo, ele enxotará o egoísmo dos nossos corações e forçar-nos-á a
consagrar nossos bens, lazeres e faculdades
à melhoria da sorte dessas criaturas.
Não haverá paz entre os homens, não haverá segurança, felicidade
social enquanto o egoísmo não for
vencido, enquanto não desaparecerem os privilégios, essas perniciosas desigualdades, a fim de
cada um participar, pela medida de seus méritos
e de seu trabalho, do bem-estar de todos. Não pode haver paz nem harmonia sem justiça. Enquanto o egoísmo de
uns se nutrir dos sofrimentos e das lágrimas
de outros, enquanto as exigências do eu
sufocarem a voz do dever, o ódio
perpetuar-se-á sobre a Terra, as lutas de interesse dividirão os ânimos, tempestades surgirão no seio das sociedades.
Graças, porém, ao conhecimento do nosso futuro, a idéia de
solidariedade acabará por prevalecer. A
lei da reencarnação, a necessidade de renascer em condições modestas, servirão como aguilhões a
estimular o egoísta. Diante dessas perspectivas,
o sentimento exagerado da personalidade atenuar-se-á para dar lugar a uma noção mais exata da situação e
papel do homem no Universo.
Sabendo-nos ligados a todas as almas, solidários no seu adiantamento
e felicidade, interessar-nos-emos com
ardor pela sua condição, pelos seus progressos,
pelos seus trabalhos.
E, à medida que esse sentimento se estender pelo mundo, as instituições,
as relações sociais melhorarão, a
fraternidade, essa palavra repetida banalmente por tantos lábios, descerá aos corações e
tornar-se-á uma realidade. Então nos sentiremos viver nos outros, para fruir de
suas alegrias e sofrer de seus males.
Não mais haverá queixume sem eco, uma só dor sem consolação. A
grande família humana, forte, pacífica e
unida, adiantar-se-á com passo rápido para os
seus belos destinos.
Léon Denis – Do livro: “Depois
da Morte”
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