RAMATÍS: No domingo que antecedia a semana da Páscoa, Jesus e seus discípulos partiram de Betânia, em direção a Jerusalém. O Mestre seguia silencioso e preocupado, antevendo os acontecimentos trágicos para breves dias; seus amigos e adeptos, no entanto, acompanhavam-no dominados por intenso júbilo, certos de que chegara o momento tão ansiosamente esperado. Jesus seria o fermento, o catalisador absoluto do povo eleito, o embaixador de Israel unindo todas as ovelhas num só redil. Já não se tratava de crença, doutrina ou movimento religioso; era uma causa nacional, em que toda Jerusalém marcharia ao lado dos galileus. A cidade de Deus precisava ser escoimada das impurezas dos infiéis e do insulto da águia romana, que deveria ser destroçada sob os tacões dos judeus heroicos e decididos, sob o comando do invencível profeta e Messias Jesus!
O "Reino de
Deus" tardaria apenas por algumas horas e jamais se viu criaturas tão
festivas e animadas. À medida que a caravana percorria as estradas de Betânia a
Jerusalém, acudiam novos adeptos, simpatizantes, aventureiros e até
arruaceiros, entusiasmados ante as perspectivas compensadoras daquele movimento
do rabi de Nazaré sobre os "homens do caminho"! Cada. vez mais
engrossava a turba bulhenta em torno do grupo apostolar; os mais entusiastas
cantavam e riam, enquanto outros batiam palmas, davam vivas a Jesus e o
saudavam como o Rei de Israel. A notícia alvissareira espalhava-se pelos
arredores de Betânia e arregimentava multidões de criaturas, que mesmo horas
depois seguiam no encalço de Jesus, a fim de consagrá-lo em Jerusalém.
Caravaneiros, peregrinos e aventureiros encontrados pela estrada recebiam
convites atraentes e riam do júbilo provinciano dos galileus seguindo à cauda
do seu Mestre.
Embora contagiado por
aquela alegria infantil, Jesus mostrava-se apreensivo, sentindo-se algo
responsável pelo culto muito pessoal que lhe devotavam os seus seguidores, mas
absolutamente contrário à sua consciência espiritual. A caravana chegou às
portas de Jerusalém e ali estacou de modo triunfal; muitos dos seus
participantes já haviam seguido à frente, a fim de prepararem uma recepção das
mais festivas e contagiantes aos jerusalemitas, sempre tão indiferentes aos
valores da Galiléia. O Mestre Jesus não pôde fugir àquela onda de vibração efusiva,
que o envolveu; e, erecto e majestoso, atravessou a "Porta Áurea", da
cidade; mas o seu espanto foi imensurável, quando as mulheres e crianças lhe
atiraram flores e o saudaram com ramos de oliveira e palmeiras, enquanto os
homens tiravam suas túnicas e as colocavam no chão para ele passar. Surpreso e
apreensivo, pisava as pétalas de flores e as túnicas dos seus admiradores,
estendidas a seus pés, sob os gritos de "hossanas" e aclamações ao
Rei de Israel e ao "Filho de Deus"! Aliás, Jesus não penetrou em
Jerusalém montado num burrico ou qualquer jumento, conforme diz a tradição
religiosa e assim predisse o Velho Testamento, pois, desde Betânia, todos
marchavam a pé, num crescendo de júbilo emocional. Evidentemente, ninguém
estenderia suas túnicas para serem pisadas por um burrico, mas assim o fizeram
para a passagem do Mestre Galileu. As ruas da cidade estavam apinhadas dos
tipos mais exóticos e das raças mais diversas recém-chegados de todas as partes
da Judéia e de outros países distantes, para assistirem às festividades da
Páscoa. Ali se viam mercadores judeus da Alexandria, com narretes de veludo
vermelho, túnica e saia até aos pés; de Cesaréia, Antioquia, Arábia e até do
norte da África; judeus da Abissínia, de pés descalços e vestidos de um só pano
branco; do Reno, com armaduras medievais, da Grécia, com vestes de lã, ricos e
cabelos crespos enfeitados com fitas douradas ou ramos de louro; do Oeste
hibernoso, trajando casacos espessos; do deserto, cobertos com pele de camelo
ou de leão. Havia homens e mulheres pobres, quase desnudos, a ombrear sob
gestos de repulsa com hebreus ricos, que resplandeciam em seus vultosos anéis e
colares, vestidos com finos linhos de Sidon e ricas faixas de púrpura da Tiro.
No meio daquela gente, de vez em quando, brilhavam os capacetes e as armaduras
dos romanos ostensivos, que passavam em grupos, batendo nas pedras os tacões
das botas ferradas. Cães de todos os tipos ladravam, perseguiam-se e farejavam
entre mantas de carne-seca e peixe desfibrado; os burricos e jumentos,
inquietos pelo enxame de moscas atraídas pelos boiões de mel de figo, batiam os
cascos no calçamento. A multidão suava e cheirava mal, pois a cidade estava
sujíssima e não havia tempo para uma limpeza correta. Frutos e legumes podres,
esmagados mil vezes, multiplicavam-se pelas calçadas ou se misturavam ao
estrume dos asnos e camelos. Estrugiam pregões e os vendeiras berravam,
ofertando suas mercadorias aos forasteiros, numa competição rixenta e feroz,
que exigia a intervenção das patrulhas de soldados romanos.
Jesus e os galileus, que o
seguiam, eufóricos e convictos de que toda aquela gente formigante estaria
comungando com os seus objetivos messiânicos, entraram pela rua das
Especiarias, onde, numa gritaria infernal, judeus se serviam de pequenos moinhos
e pedras polidas, esmagando sementes picantes e odorantes, moendo cominho
romano e armênio, pimenta da índia, preta e aromática, noz do Egito e da Arábia
e raízes provindas de todas as partes da Palestina. O populacho, surpreso,
recuava dando passagem àquela procissão intempestiva de criaturas mal vestidas
e empoeiradas, que faziam enorme alarido em torno do seu Mestre e o festejavam
com folhas de palmeiras. Os forasteiros mostraram-se algo admirados, certos de
se tratar de alguma cerimônia regional, ou talvez grupos de participantes das
festividades da Páscoa, que chegavam eufóricos, a ruidosa capital da Judéia.
Mas os cidadãos jerusalemitas riam e divertiam-se gostosamente, ao reconhecerem
os galileus metidos em alguma aventura provinciana. Enquanto o turbilhão
passava, custando a findar, espremido nas ruas estreitas da cidade, quase
fazendo desabar toldos, esteios, boiões e bilhas, caixas e fardos, os vendeiros
pulavam balcões, mesas e estrados, berrando protestos e insultos, a fim de
garantir suas mercadorias expostas de modo a atrair fregueses. Mas os galileus
passavam ruidosos, felizes e ingênuos, apanhando tâmaras, ameixas, figos ou
beliscando cachos de uvas, deixando quase loucos de raiva os judeus dos bazares
e quitandas.
Os que iam à frente, em torno
de Jesus, abriam alas forcejando entre a multidão acotovelada no meio da rua e
esparramada debaixo dos alpendres, toldos e interior das lojas, e que se
chocava com a mole de galileus ruidosos e mais numerosa, que vinha à
retaguarda, num crescendo de avalancha. Tanto os que chegavam, como os que ali
se achavam, espremiam-se entre os beirais, esteios e toldes das lojas; outros
grupos, fazendo prodígios para não pisotearem cestos de frutas e legumes, não
derrubarem caixas, fardos e pilhas de comestíveis; e acolá, monte de gente
empurrada para as vielas mais despovoadas. Depois da gritaria ensurdecedora,
das pragas, insultos e lamentos do turbilhão produzido pela passagem dos
seguidores de Jesus em marcha vigorosa, centenas de braços ficavam à retaguarda,
sacudindo-se em ameaças, enquanto os galileus desapareciam na primeira curva da
rua, xingados, empurrados, amarfanhados e alguns mal se refazendo dos socos e
bofetadas dos vendeiros mais furiosos. Atravessando então a rua dos Tecelões, e
ainda derribando tapetes, peças de tecidos e rompendo as frágeis armações dos
mostruários, a turba da Galiléia desviou-se da rua dos Ourives e orientou-se
para a cidade alta, partindo para a zona aristocrática, a fim de alcançar a
ponte que desembocava na praça do Templo.
O SUBLIME PEREGRINO.
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